As combinações dos diversos suportes de produção de imagem, incluindo os ruídos, e as especificidades de cada um deles, num somatório de interferências de toda ordem, marcam a produção de vídeos de Gustavo Galuppo.

Com trajetória relativamente recente, mas já bastante premiado, Galuppo faz de suas produções em vídeo um espaço no qual convivem imagens recortadas do cinema, registros domésticos em fragmentos de Super-8 e relações com o texto sobre a imagem,  mostrando assim o trânsito entre suportes e o hibridismo de linguagens em suas obras.

São vídeos que abordam temas como a deriva, as catástrofes e a escuridão, entre outros, e que servem de ponto de partida para reflexões sobre o amor, a morte e o abandono. Baseados em textos de Godard e Marguerite Duras, como em La progressión de las catástrofes (2004), os vídeos de Galuppo combinam de modo bastante interessante a pesquisa formal com as imagens e as reflexões mais densas sobre a própria natureza da imagem do vídeo e suas relações com o cinema, a memória e as questões políticas. Galuppo parece buscar nas formas de registro da imagem o subsídio para torná-la menos palpáveis, menos reais e mais abertas à construção de sentido gerada pela rigorosa edição.

Usando muitos textos sobre a imagem, como modo de ampliar os sentidos e conduzir de forma quase delirante a narrativa, Galuppo usa frequentemente em seus trabalhos legendas com diálogos que parecem modificar o sentido da imagem, como se esses diálogos fossem retirados de um lugar e colocados em outro, criando assim uma tensão entre texto e imagem.

Podemos perceber isso na sequência do casal retirada do filme The quiet man (1952), de John Ford, em La progressión de las catástrofes (2004), que, ao ser desfigurado quase completamente, recebe os diálogos em legendas como se alguém comentasse aquela forma de relacionamento, ou mesmo na frase que surge posteriormente na tela: “Não, nada é tão inesquecível como nos filmes”. Uma trama bem armada entre texto e imagem, que questiona os valores da imagem como registro da memória.

Essa mesma tensão entre texto e imagem aparece em outros trabalhos. No vídeo El ticket que explitó (2002), baseado no livro homônimo de William Burroughs, o texto é sobreposto à imagem de modo a quase impossibilitar ver o que está por trás, e esse procedimento ao mesmo tempo impede também ler o texto que se confunde com as cores  da imagem, revelando uma massa de informações com função meramente estética, retirando do texto o seu valor de informação e dando-lhe apenas um sentido formal na composição do quadro videográfico. Relações de sentido que certamente são provocadas por Galuppo também através das intensas distorções formais e cromáticas a que sempre submete as imagens.

Toda essa tensão entre texto e imagem é reforçada continuamente pelas trilhas sonoras desenvolvidas pelo grupo Vera Baxter, da qual fazem parte Carolina Piva e Fernando Romero, além do próprio Galuppo. Nunces sonoras extremamente sutis se misturam com ritmadas batidas eletrônicas, gerando climas ora nostálgicos, como em La progressión de las catástrofes (2004), ora agressivos, como em La persistencia de la oscuridad (teoría de los elementos ígneos) (2000), que serve para reforçar a crueza de algumas imagens e os próprios elementos ígneos, marcados pelos incríveis sons de fogueiras ardendo durante passagens em que não há imagens.

Os trabalhos de Galuppo que mostramos nessa edição do FF>>Dossier refletem sua trajetória e mostram essa maneira muito peculiar de se apropriar das imagens e de retorná-las ao circuito, mas não mais como uma simples imagem, e sim como uma espécie de “imagem-fluxo” que, de um lado revela as mutações do audiovisual contemporâneo, e de outro mostra as particularidades de um realizador implicado na investigação dos fenômenos sociais e culturais contemporâneos, sob uma ótica que parece privilegiar a vertigem.

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