Com performances que desafiam os próprios conceitos tradicionais da modalidade, o Videobrasil continua este ano com o que já tornou uma tradição: o estímulo a artistas que vêm pesquisando híbridos resultantes da combinação e do diálogo entre imagem em movimento, música, dança, o próprio corpo e o espaço cênico. Nesta edição, Alexandre da Cunha, Eder Santos, Luiz Duva e Marcello Mercado – premiado no 13º Videobrasil – são os representantes dessa forma de expressão viva e em constante transformação. O programa, variado e com diferentes abordagens, leva adiante a idéia do festival de promover uma espécie de permanente laboratório pensante.
O argentino Marcello Mercado traz uma obra impactante, em que orifícios, seu próprio corpo e um discurso politizado são elementos-chave da obra.
Artistas
Obras
Texto de curadoria 2001
O corpo como ponto de convergência
As performances do argentino Marcello Mercado costumam utilizar elementos e referências perturbadores: ratos com tumores, cães empalhados, sugestões de práticas médicas, o corpo do artista sendo penetrado por tubos invasivos. As ações, que contam com a participação do público, podem ser transmitidas em tempo real, levando eventos concretos ao mundo virtual. Os trabalhos de Mercado, artista nascido em Córdoba e hoje vivendo em Colônia, na Alemanha, lançam mão ainda da matemática, como na série de performances de 2001 que tem como base teoremas de Kurt Gödel. Em 1998, o Videobrasil trouxe ao Brasil o vídeo The warm place [O lugar aconchegante], que deu a ele o principal prêmio do Festival. A obra representava “a reconstrução individual após fragmentação histórica causada pela violência e pela falha no seu reconhecimento”. Nesta edição do Videobrasil, Mercado apresenta a performance Politik – antecedida de uma palestra –, na qual o artista interage com um tubo que penetra em seu corpo: “Somos um único buraco infinito-buraco-domado-buraco. A articulação de... forças”, escreve ele sobre a obra. Em Politik, Mercado, nu sobre uma bancada, tem como fundo monitores de vídeo que também mostram detalhes de corpos. A apresentação, não linear, dura cerca de meia hora e, assim como os vídeos e os textos do artista, é fortemente politizada, colocando o corpo no centro da discussão sobre manipulação, vigilância, desejo e obrigação. Mercado já chocara, provocara horror e fascinação com vídeos em que recuperava a memória mais dramática da Argentina: o período em que o país, sob as ordens do regime militar, vivia mergulhado no medo, no silêncio e na tortura.
No vídeo El borde de la lluvia (1995), por exemplo, Mercado exercitava contrastes impactantes para falar sobre tal período da história argentina. Juntava fetos deformados e animais em matadouros ao som de sinos e à música de Richard Wagner. Triste, tocando na dor de um país que até hoje pergunta pelos que desapareceram durante o regime militar, o trabalho de Mercado construía metáforas e dava novo sentido às imagens. Reformular o sentido, aliás, é uma das características das colagens de Mercado. Um mundo próprio, delirante, repleto de elementos ora líricos, ora grotescos, que se articulam para falar do que já passamos e do que ainda estamos vivendo. Mercado não se tranca na melancolia nostálgica. Pelo contrário: usa a tecnologia e as possibilidades abertas por ela para incorporar novos elementos a seu trabalho. Câmeras que percorrem ruas, transmissões pela internet. Mercado resgata ainda a história e as ideias e, a partir dessa combinação original, vem produzindo vídeos, sites e performances sugestivos e plenos de fortes imagens.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "13º Videobrasil": de 19 a 23 de setembro de 2001, p. 209, São Paulo, SP, 2001.